domingo, 4 de dezembro de 2011

Aquilo de Camarate, atentado à inteligência

Passos Coelho admite reabertura de comissão de inquérito.

Às 20:17 de quinta-feira, 04 de Dezembro de 1980, um minuto depois de muito, muito a custo se ter erguido a uns 40 metros do chão, uma avioneta de matrícula venezuelana, podre de desmazelo e maus tratos, despenhou-se em Camarate, com sete pessoas a bordo que tiveram morte imediata por falência múltipla e convergente de órgãos, no cumprimento natural de determinações elementares de ordem física, bioquímica, metabólica e estocástica; quiçá, até, divinas.
Se se tiver devido a sabotagem ou a atentado o despenhamento desta caranguejola podre, então não haverá trambolhão de trotineta que não resulte de urdidura do Olimpo, qualquer escorregadela no duche só pode acontecer por mancomunação dos astros e nenhuma amora, por mais madura, se desprenderá sozinha da sarça sem conluio dos pinguins.
Se aquilo foi sabotagem, passe-se à categoria de sabotagem toda e qualquer queda de aeródino que não tenha resultado ou resulte de bomba ou de fisga, desde o dia em que Ícaro voou até ao dia da eleição da Carmelinda Pereira para a Presidência da República Portuguesa.
caso de Camarate constitui a saga mais demencial - momentaneamente interrompida no tomo IX, 31.º ano - de que há registo ou memória nos 870 anos mais recentes de Portugal.
A reboque da orfandade serôdia, da beatice contumaz e do proselitismo alucinado de meia dúzia de doentinhos, açulados pelos Cides e Sás Fernandes desta vida, um país ensandecido – do Freitas do Amaral ao Bloco de Esquerda, do Mário Soares ao Marcelo Rebelo de Sousa, do Baptista-Bastos ao Daniel Oliveira – continuará a malbaratar, sabe-se lá até quando*dinheiro a rodos e energia pensante na confabulação e no fabrico à força de explicações ridículas, patéticas, sem pés nem cabeça, ante a indiferença bovina do povo em geral e a conformidade invertebrada de praticamente toda a comunicação social.

Mas OK, arranquem lá, depressa e em força, com a 10.ª Comissão Parlamentar de Inquérito – sempre se distrairá o pagode da crise. Nem será difícil encontrar pelo menos dois novos maluquinhos inimputáveis, Fui eu que fiz a bomba. / Fui eu que a pus a bordo., desta vez para tratar do sarampo ao Amaro da Costa por causa de umas merdas incómodas em que andava a mexer. E depois, porque a investigação pericial e a inquirição judicial, a soldo de mefistofélicos desígnios, ainda não se persuadiram do atentado, avance-se para a 11.ª CPI e para a 12.ª e para a 13.ª e para a 14.ª e para a 15.ª.
E se sobrevier uma sombra de dúvida quanto ao alvo Amaro da Costa, prossiga-se para a tese de atentado contra a Snu por parte de um amante desconhecido com dor-de-corno do Sá Carneiro. Aí abrirá, por consenso universal, a 16.ª CPI, com mais um maluquinho que fabricou a bomba e outro que a meteu na avioneta, e depois a 17.ª e depois a 18.ª, havendo que aproveitar o balanço, a experiência e o prodigioso saber entretanto adquirido para, com a eterna cooperação sempre desinteressada do omnímodo e ubíquo Ricardo Sá Fernandes e através de quantas comissões de inquérito forem necessárias, esclarecer finalmente o desaparecimento de Dom Sebastião, o sumiço do Nessie e o paradeiro do ponto G; com punição severa de todos os culpados, a começar pelos tribunais, pelos peritos em aeronáutica e pelos cães pisteiros.

E assim sucessivamente, até à transferência do caso para este departamento.
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* Até, talvez, conforme sugeriu em tempos Miguel Sousa Tavares, à publicação de uma lei de dois artigos:
Artigo 1.º - Camarate foi atentado.
Artigo 2.º - Quem desdisser ou não acreditar vai preso.