segunda-feira, 14 de abril de 2014

José Sócrates e o mantra do arrependimento

José Sócrates- Eu sempre apoiei o doutor Durão Barroso porque considerei ser do interesse nacional que ele permanecesse como presidente da Comissão Europeia. E fi-lo contra a opinião do meu próprio partido e fi-lo contra a opinião de muitos partidos socialistas europeus. E fiz campanha por ele…
João Adelino Faria- Arrepende-se?
JS- Não, não, ao contrário! Estou muito convencido… e sabe, um político também já não tem, já não tem tempo para se arrepender. Como um grande filósofo dizia, arrependermo-nos é errar duas vezes. Não, não me arrependo. Estou convencido de que foi importante para o nosso país ter um presidente na Comissão Europeia.

Recapitulemos.

 

1. Na na altura muito badalada conferência que proferiu no Collège Universitaire de Poitiers em 03.Nov.2011 [Pagar a dívida é uma ideia de criança. […] As dívidas gerem-se.- lembram-se?], interpelado por um estudante sobre o que mudaria na sua governação de seis anos se pudesse voltar atrás, o ex-primeiro-ministro explicou-se [01:31:10],

- Nietzsche um dia disse uma coisa mais ou menos como esta: arrependermo-nos é errar duas vezes.

 

2. Na célebre entrevista ao Expresso de 19.Out.2013, Clara Ferreira Alves inquire José Sócrates sobre a nacionalização do BPN,

- Está arrependido?

Sem remissão filosófica ou endosso autoral, José Sócrates responde

- Arrependermo-nos é errarmos duas vezes.

 

3. José Sócrates no "Alta Definição" com Daniel Oliveira — SIC, 02.Nov.2013, minuto 12:30,

- O Nietzsche observava que arrependermo-nos é errar duas vezes.

 

Insisto no pedido e volto a prometer alvíssaras a quem me elucidar acerca da putativa afirmação de Nietzsche. Em que obra, página? Em “Humano, demasiado humano”? Não vejo... Tenho e li boa parte da obra de Nietzsche publicada em português; não que Nietzsche tivesse em grande conta o arrependimento ou o remorso, mas não me lembro nem me soa isto do ‘errar duas vezes’.

Talvez Bento de Espinoza [Ética, Parte IV, Proposição LIV]?— «O arrependimento não é virtude nem procede da Razão, mas aquele que se arrepende do que fez é duas vezes miserável ou impotente.»

Talvez, se bem que o que o sefardita português diz não seja exactamente aquilo que o nosso engenheiro repetidamente recita.
De resto, acho prepotente e tremebunda a suposição, de que discordo, de que o arrependimento represente sempre um erro dobrado.