domingo, 28 de agosto de 2011

O que é o amor?

«Andamos sempre nisto. "O que é o amor?" 
[...]
Porque é que amamos quem amamos? Porque é que não amamos quem não amamos? Qual o ingrediente, a qualidade, a característica, o acontecimento, o momento que distingue uma pessoa de quem gostamos, que apreciamos, que achamos atraente e interessante e até “certa” de outra que, podendo não acumular todas essas qualidades e não raro não contando mesmo nenhumas – et pour cause? – nos arrebata e subjuga?
[…]
As receitas para o fim dão-nos então, em espelho, um pista para o início. Amaremos  quem saiba, por ciência ou distracção, dosear a distância e a proximidade*, a fome e o alimento. Amaremos quem se souber fazer belo e cobiçável. Amaremos quem encaixar no arquétipo que, desconhecido, trazemos como um talismã ou uma maldição. Amaremos quem calhar, se calhar.»

Evito quanto posso dizer estas coisas, mas às vezes tem de ser: mais um belo e imperdível texto da Fernanda Câncio.

* Se não erro, é mais ou menos aqui que intervém o Maurice Blanchot [1969]: Le désir est la séparation elle-même qui se fait attirante; elle est l'intervalle qui devient sensible. Voilà!

PS
A Fernanda Câncio cita uma passagem do célebre capítulo 13.º da 1.ª Carta de São Paulo aos Coríntios, informando tratar-se de tradução sua de uma versão inglesa, o que me faz supor que: ou não tinha uma Bíblia – um Novo Testamento, vá lá – em língua portuguesa à mão; ou estava momentaneamente sem acesso à net e teve de se valer do exemplar em inglês proporcionado pelo hotel na mesa de cabeceira do quarto onde rabiscou a crónica*; ou não acha fiável nenhuma das milhentas versões em português disponíveis um pouco por todo o lado; ou etc. Soa-me a afectação escusável, Deus me perdoe. Mas a Fernanda é sofisticada, a gente sabe; ela pensa, fala e respira em inglês, de tal modo que o pormenor da tradução não afecta minimamente a alta categoria do texto.
De resto, sou levado a crer que os conselhos da Arte de Amar [não "A Arte de Amar", como diz a FC], de Ovídio, igualmente invocados nesta crónica, só por um assomo de modéstia a Câncio os foi beber na edição portuguesa da Cotovia – tradução do Carlos Ascenso André -, dispensando-se desta vez de os trasladar directamente do latim.

* Ainda em jejum, claro, que a inspiração urge. A seguir – tardérrimo, pois então – desceu para o pequeno-almoço e lá se lhe depararam uma vez mais os incompreensíveis, encanitantes, acintosos e totalitários horários de pequeno-almoço na maioria dos hotéis.
Depois, queixa-se.