segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Rogério Casanova

na LER de Fevereiro de 2012.

"Pastoral Portuguesa", em português actual:
«A improvisada criação de Simónides – a técnica do “palácio da memória” – antecipou intuitivamente dois princípios mais tarde demonstrados pelas ciências cognitivas: o de que a nossa memória para lugares e imagens é muito mais fiável do que a nossa memória para letras e números; e o de que recordamos factos isolados com menos facilidade do que recordamos factos num contexto.»
A arte da amnésia
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«A experiência mostra que os grandes romances sobre o presente são escritos no futuro; se fosse eu a mandar nisto, os escritores de hoje só escreviam sobre mujiques e naves espaciais, deixando as manchetes diárias no sítio onde elas devem estar, e deixando a actualidade aos escritores que saíram agora da escola primária.
[…]
De Thomas Wolfe li, há muito tempo, um livro de 800 páginas, do qual a única coisa que retive foi uma nota biográfica na contracapa: o senhor tinha dois metros de altura, e por vezes escrevia de pé, em cima de um frigorífico. Parecem-me credenciais mais do que suficientes para escrever sobre tudo.»
Consultório literário
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«Bloom está tão distante do que normalmente entendemos por “crítico literário” que avaliá-lo como tal, além de redutor, chega a parecer injusto. Ser Harold Bloom o tempo inteiro, afinal, é uma atividade que exige dedicação a tempo inteiro.
[…]
É difícil acompanhar um pedagogo populista quando ele insiste em declamar as lições em esperanto. Convém salientar que nada disto é denso ou complexo, mas apenas obscuro.
[…]
Aquilo que afirma ou é indiscutível ou incompreensível. É como um guia turístico, que se limita a apontar os alvos dignos de fotografias: esta é a ponte mais antiga da cidade, este o prédio mais bonito – mesmo quando está a apontar para o invisível.
Harold Bloom, o presidente do cânone”, em português atual
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«A sua cosmologia [de H. P. Lovecraft, 1890-1937] é uma sucessão de fundos falsos, em que uma qualquer realidade já impossivelmente sinistra esconde uma ainda mais sinistra; e a sua prosa adere ao princípio proporcional de que um horror maior requer um polissílabo maior.
[…]
Investigações adicionais revelam que a tecnologia destas criaturas é orgânica e não mecânica: sempre que uma tarefa se apresentava, em vez de inventarem um martelo ou um guindaste, inventavam uma espécie biológica. Uma dessas criaturas, os shoggoths ("aglutinados viscosos de células com bolhas", já que perguntam*) acabou por revoltar-se contra os seus criadores [...]»
All the way down, sobre Nas Montanhas da Loucura, de H. P. Lovecraft, edição Relógio d’Água, tradução de Teresa Seixas. Em português atual.

* ahahahah