terça-feira, 4 de setembro de 2012

Felizmente eu existo, ou estávamos todos perdidos

- Rogério Casanova na  LER de Setembro de 2012:
- "Um saco Freitag perdido em Adelaide", sobre o «absurda e inclassificavelmente brilhante» Geoff Dyer
- ‘Consultório literário’ – Qual é para si o melhor início de romance em toda a literatura?
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o que é verdadeiramente surpreendente em As Cinquenta Sombras de Grey não é o nível de subescolaridade obrigatória da prosa; é o facto de não funcionar como pornografia light ou sequer como uma pouco exigente "história de amor".
O livro não é uma fantasia romântica e é indesculpável descrevê-lo como tal. O que é, se tanto, é uma fantasia de mobilidade social. Por mais que se mencionem os seus "olhos intensos" e os arrepios vaginais que a sua mera presença provoca, o principal apelo de Christian Grey para autora e narradora é claramente o casulo "fora-do-mundo" que a sua tonelada de dólares permite.
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Se é deste material que as fantasias e apetites de 40 milhões são feitas, precisamos todos de ajuda.»
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Vonnegut vintage: escrita fluida, diálogos absurdos, impecável timing cómico, os refrões e homilias habituais ("assim seja", etc.), e um afável mas irrevogável apocalipse.
Norman Mailer disse um dia que J. D. Salinger era o melhor escritor americano a nunca ter saído do liceu. Analogamente, podemos pensar em Vonnegut como algo ainda mais improvável: um génio que nunca saiu do berçário. E como qualquer criatura de berçário, pode passar horas seguidas a balbuciar disparates, mas retém a capacidade de fazer rir e de ser absolutamente aterrador - em segundos consecutivos.»
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construção e reconstrução do autómato - operações separadas por mais de um século - são ajustadas milimetricamente ao arco narrativo, mas não devolvem nenhuma ressonância. Os seus significados são demasiado óbvios ou demasiado difusos para emergirem naturalmente do texto. O leitor resigna-se a adivinhar, nos interstícios do livro, um livro diferente, e melhor - com metade dos temas descartados.
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como um relógio parado, o romance de Carey limitou-se a estar certo apenas duas vezes
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* Já agora, que achou a doutora Clara Ferreira Alves desta merda?
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vaginas sem biografia. As mulheres comandam o mundo. Não o mundo todo, apenas o mundo dos livros mais vendidos. Livros em que o homo erectus comanda as mulheres.»