quinta-feira, 6 de março de 2014

Acordo Ortográfico [88] ... e uma das melhores cenas do cinema

«O modo como a Assembleia da República está a fugir de tomar posições é bem revelado no modo como se empurrou para o eterno e adiado futuro a decisão sobre o Acordo Ortográfico. Percebe-se que a opinião dos deputados não conta para nada, mesmo havendo uma possível maioria contra o Acordo, e que apenas a força do impasse político internacional, transformada em inércia, mantém as coisas como estão. Ou seja, a língua portuguesa continua a estragar-se todos os dias, apenas porque ninguém quer saber disso nas elites políticas, nem tem coragem de dizer sim ou não. Ou não quer defrontar os interesses que explicam a manutenção de um acordo moribundo, mas deixado apodrecer no meio das palavras de uma velha língua que infecta e gangrena. Estamos assim.»

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«Esta semana, no meio de uma embrulhada confusão de razões, contra-razões e subtilezas pouco subtis, saltitando de argumentos e de posições que não lembrariam ao Diabo, pior, que não lembrariam aos engendradores do Acordo Ortográfico, ficou-se a perceber uma coisa que digo já qual é. Mas antes, seja-me permitida uma sugestão: a de que futuros negociadores do mesmo instrumento, deputados ou não, académicos ou professores, editores, tradutores ou revisores de provas, sejam reciclados através de um curso intensivo de gramática da língua portuguesa, como condição essencial para integrarem esse grupo.
[…]
não se percebe esta situação a que se chegou de criação e aplicação de três grafias diferentes, agora com uma posição edulcorada do nosso Parlamento que também não vai levar longe e que não cria condições para uma revisão multilateral das regras-quadro que permitiriam a sua aplicação, nem do autêntico chorrilho de asneiras que viola mesmo o preceituado nesse instrumento internacional.
[…]
Infelizmente é a uma situação de surrealismo delirante que se está a chegar. A língua está a ser destruída. Não conheço hoje muitos políticos que sejam a favor disso. Se falarmos de outros utentes qualificados, também não, salvas as excepções menores do costume e as propensões para a cedência do costume.
[…]
Realmente, como na salada dos pais do imortal Basílio, o acordo foi mexido por uns cegos e temperado por uns loucos...»
Vasco Graça Moura, "Omnes discrepantes" | DN, 05.Mar.2014

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Já passou pela mão de todos os deputados e governantes uma lista impressionante de nomes de escritores, professores, académicos ou jornalistas — os que usam a língua profissionalmente — que não deixa qualquer dúvida de que apenas uma minoria, e já sem quaisquer argumentos válidos, continua a sustentar este crime. […] Há, pois, quaquer coisa de misterioso e estranho por trás da teimosia de governantes e deputados, de todos os partidos, em não ceder aos constantes apelos que de todos os lados recebem. […] É nesta alturas, e como último recurso, que eu gostava de ter um Presidente da República que, no uso da sua função de garante da independência nacional (de que a preservação da língua é parte indissociável), puxasse do artigo 120.º da Constituição e matasse de vez esta vergonha. Mas, infelizmente, também não é o caso.»
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A despropósito,
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Filmes como 2001: Odisseia no Espaço de Kubrick estão vivos não por causa dos efeitos especiais, mas porque tinham personagens como o computador Hal 9000, cuja "morte" é uma das melhores cenas do cinema de sempre
[…]»
JPP, "Por que razão Gravidade é considerado um bom filme?" | ibidem