domingo, 19 de abril de 2015

António Guerreiro

. Herberto Helder e o senhor Oliveira
«João Pedro George coleccionou tudo o que se escreveu sobre Herberto Helder, em jornais e revistas, após a sua morte, e publicou o resultado do seu trabalho de sociólogo enxertado em mitólogo no jornal on-line Observador, com o título Herberto Helder: sociologia de um génio. Seguindo canónicos preceitos, começa por apresentar o objectivo do seu trabalho: “Perceber como se fabrica um ‘herói’ literário e avaliar as crenças que sustentam a literatura.”
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o laboratório georgiano, de onde devia sair ciência pura, capaz de revelar no corpus de textos recolhidos todas as “mitificações”, afinal labora no erro. O primeiro erro fundamental é o de não perceber que é preciso distinguir entre o cidadão Herberto Hélder [com acento no “e”] Bernardes Oliveira e a figura do poeta elaborada na obra — uma figura à qual assimilamos, simplificando um pouco, a figura autoral de Herberto Helder. Insurge-se João Pedro George contra os mitificadores: “Como se Herberto Helder e Herberto Helder Luís Bernardes Oliveira não fossem uma e a mesma pessoa.” Na perspectiva do mitólogo, através da “duplicação de personalidades” (entramos assim no diagnóstico psiquiátrico) realiza-se um processo de automitificação. Daí que, para não cairmos nas suas manhas, devêssemos interromper o poeta mitificador e os seus adjuvantes (isto é, todo o “meio literário”) e gritar-lhe: “Quem és tu, ó Herberto, para te tomares por Herberto Helder e fazeres de conta que não és o Bernardes Oliveira?”. O pressuposto de João Pedro George, que invalida toda a sua análise, impede-o de compreender o que é da ordem de uma exigência puramente literária e o que é da ordem da realidade. O mito do poeta Herberto Helder é consubstancial à obra.
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