quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O que sei de Deus

Nunca me cansará o espanto com que ouço as pessoas falar de Deus, blindadas de convicção quando não de certeza absoluta. O que certas pessoas sabem e dizem de Deus, deuses meus! Sabem o que Deus é e conseguem até saber o que Deus não é. Como sabem? Sabe-se lá.

Por exemplo, o senhor padre Tolentino: 
«[…]
É verdade que não sabemos a forma de Deus. Tanto crentes como não-crentes, bebemos o silêncio de Deus nas próprias mãos. Deus não é manipulável, domesticável por discursos e representações. A tradição bíblica, quer judaica quer cristã, é muito escrupulosa em manter a indizibilidade de Deus. Porque perguntas o meu nome?, respondeu Deus ao pedido feito pelo patriarca Jacob para que se autonomeasse (Gen 32,30). Deus escapa-nos, é sempre Outro, ultrapassa o que possamos conhecer dele. Deus é Deus e isso coloca-nos perante uma realidade radicalmente outra. A experiência crente constrói-se por isso, não raro, num intransigente e ardente oximoro, que é a sua figura por excelência: uma plenitude feita de vazio, um brilho que emerge às escuras, a palavra tornada carne.
Digo muitas vezes que, sobre Deus, faz-nos bem a nós crentes escutar os não-crentes.*
[…]
O que é que distingue a experiência crente? Talvez apenas isto: compreender que somos procurados, que a nossa fome de verdade é já encontro, que a nossa carência de absoluto é já contacto com o infinito. Quando falamos sobre Deus damos razão à frase do “D. Quixote” que garante: não é a estalagem quem mais nos ensina, mas sim a estrada.»
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* Deixa cá, pois, escutar-me.
- Que pensas, Plúvio, do siderante silêncio de Deus? 
- … nhã nhã nhã … rebéu béu … de modo que … se calhar … Há uma intuição rebelde que me sugere que Deus, desesperada e prodigiosa invenção — com barbas e um feitio dos diabos — do Homem, fala ou cala-se conforme o Homem queira ou ao Homem apeteça. Como se o Homem fosse o ventríloquo e Deus o seu sublime, ínscio, oco e amorfo boneco. Depois … nhã nhã nhã … temos Bach, António Carlos Jobim, a ciência, este gajo e essas coisas todas. 
Talvez, não sei. Mas há quem saiba.