sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Meninas da baixa, jornalismo paroquial

Vivem ambas neste quadradinho de Lisboa, uma há 21 anos, a outra há 12.

Fernanda Câncio não esconde. Di-lo em duas peças:
«O meu bairro foi sempre a Baixa, desde que, miúda, a minha mãe me levava às compras e a lanchar na Brasileira (a da Rua Augusta, não a do Chiado; essa foi minha muito mais tarde). Nos mais de 40 anos que passaram desde esse amor à primeira vista muito mudou nas ruas do meu bairro - onde vivo desde 1996 - nem tudo para melhor.» - DN, 20.Fev.2017
«Na minha rua, um prédio de três andares esteve em 2013 à venda por 400 mil euros» - DN, 31.Jul.2017
Ainda assim, recomendável à prática jornalística o mais honesta possível seria que, sempre que viesse ao tema, informasse o leitor, em rodapé: «Isto interessa-me, moro aqui.»

Bárbara Reis, ex-directora do Público, 2009-2016,  admite-o de raspão:
«Há anos que fotografo e filmo os “autocarros ocasionais”, os open-top e os tuk tuk que sobem e descem a minha rua em Lisboa, entupindo a vida a tudo e todos.» - Público, 09.Jun.2017
Mal o saberíamos não fosse a Câncio ter posto a boca no trombone numa reportagem do DN de 01.Ago.2015, "As crianças no coração de Lisboa":
«Caso dos três filhos da jornalista e directora do Público, Bárbara Reis, 45 anos, desde 2005 a viver na antiga freguesia da Madalena, nome, et pour cause, da filha do meio (10 anos), que tinha meses quando se mudaram. "Na parede da Sé há um reforço inclinado, muito polido. Os meus filhos descobriram aquilo e vão lá escorregar. Uma vez vi uma senhora velhota parada a olhar, com um sorriso. Disse que fazia aquilo quando era criança." O perigo certificado da brincadeira não esmorece o embevecimento. "Os meus filhos têm sorte em crescer no bairro mais bonito de Lisboa. Quando a vemos nos rankings mundiais das cidades mais belas é por causa desta zona. Pelas ruas — ir ao talho é uma experiência bonita, ir à lavandaria, à mercearia, podem-se tornar as coisas simples do dia-a-dia em momentos de grande prazer — e pelas casas, que são magníficas, de espaços abertos, amplos, pés-direitos muito altos. Acredito que viver numa casa bonita potencia a felicidade. E tem-se vida de bairro — tenho amigos novos que têm que ver com morar aqui, fazem-se amizades por gostar de viver aqui — e ao mesmo tempo cosmopolita: vai-se ao teatro a pé, à ópera a pé, à FNAC e também ao cinema, e de qualidade, agora que abriu o Ideal, no Calhariz." Pode-se até ir a pé para o trabalho — caso do marido de Bárbara, o arquitecto Pedro Reis, que tem ateliê no Chiado. E as duas filhas mais velhas, porque os pais fizeram questão de que frequentassem "uma escola do bairro", andaram numa pré-primária IPSS a 200 metros de casa. "A partir de certa altura passaram a ir sozinhas. O Sebastião [agora com 5 anos] já não andou lá porque a escola estava com muitos problemas e fechou." Também há uma escola primária na mesma rua, mas, lamenta Bárbara, "não tem pátio. As crianças têm de brincar no corredor. Há essa falha: é preciso investir numa boa escola primária e pré-primária. Porque há imensas pessoas com crianças aqui. Só num raio de cem metros temos dez amigos com filhos destas idades. E os miúdos gostam muito do bairro, que é óptimo para dar os primeiros passos. Se querem comer um gelado, vão os três sozinhos."»
Dum modo ou doutro, recomendável à prática jornalística o mais honesta possível seria que, sempre que viesse ao tema, a jornalista Bárbara Reis informasse o leitor, em rodapé: «Isto interessa-me, moro aqui.»

É em tais circunstâncias que leio o que uma e outra vêm opinando urbi et orbi, em campanha crescente, sobre gentrificação, alojamento local ou turismo na cidade [de Lisboa, claro!] e não pára de me acudir à camada sub-reptícia do pensamento a seguinte lucubração:
Está bem, abelhinha, nota-se nitidamente que não te move qualquer interesse pessoal no assunto...     


Bárbara Reis no Público

«Medina está a tirar os autocarros gigantes do centro da cidade e começou pelo centro histórico. Eleitoralismo? Não. É respeito pela cidade. O mínimo que se pede a um autarca.»

-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di-na!, Me-di